Ter sorte sempre é o maior desafio de segurança da era pós-Guerra Fria
05/11/2010 - 21:27
The International Herald Tribune
Quando um ataque terrorista é frustrado, o primeiro impulso entre os ocidentais é de regozijo. Mas, muitas vezes, não há uma reflexão posterior sobre as probabilidades dos radicais atingirem seus objetivos.
"Hoje tivemos azar", disse o Exército Republicano Irlandês às autoridades britânicas em 1984, quando falhou o plano para matar a então primeira-ministra Margaret Tatcher. "Mas lembrem-se: só precisamos ter sorte uma vez. Vocês terão de ter sorte sempre".
Isso é tão verdadeiro hoje quanto era na ocasião. Ter sorte sempre é o maior desafio de segurança da era pós-Guerra Fria.
Pode ser desagradável, claro, atribuir a sobrevivência ao acaso. Pode-se argumentar que as sociedades determinam a sua própria sorte pela forma como tratam seus amigos e inimigos. Mas quando as agências de inteligência descobriram um plano no Iêmen, na semana passada, de utilização de cartuchos de impressora a laser com bombas a bordo de aviões com destino aos Estados Unidos, a pergunta surgiu de novo: Qual é o preço que pagamos para ter sorte sempre?
Em outras palavras, como alcançar o equilíbrio nas sociedades ocidentais entre o sigilo exigido por seus espiões e os códigos morais que essas agências obscuras afirmam proteger? Os países podem mesmo confiar que seus defensores não vão se contaminar ao penetrar o universo dos seus adversários?
"Organizações secretas precisam permanecer em segredo", disse Sir John Sawers, diretor do serviço secreto britânico na semana passada. "Se nossas operações e métodos se tornarem públicos, não irão funcionar."
Mas, cada vez mais, os espiões procuram um imprimatur mais virtuoso do que o pragmatismo histórico de trocas comerciais, onde os fins mais do que justificam os meios. "Se quiser que a moral continue elevada", disse Keith Jeffrey, autor de uma história recente do MI6 entre 1909 e 1949, "então você tem de lutar dentro dos controles democráticos e da lei". A comunidade de inteligência, segundo ele, tem "uma percepção da necessidade de se explicar para o público".
Os espiões que já negaram sua própria existência agora têm sites em inglês, russo e árabe. O recrutamento é supostamente realizado com anúncios públicos no lugar do lendário tapa no ombro de graduados, que trouxe para o MI6 alguns dos mais notórios traidores da Grã-Bretanha. O livro de 810 páginas de Jeffrey foi projetado, em parte, para ajudar os espiões a emergir de sombras históricas.
Em um artigo recente, John Arlidge, repórter do The Sunday Times, de Londres, disse que passou algum tempo, com autorização, ao lado de funcionários do MI6 e descobriu que os membros organização "querem ser vistos pelos britânicos como os mocinhos, ao lado dos anjos, com sua cabeça ética acima da água".
Mas a transparência não é a matéria prima de seu trabalho e é aí que surge o dilema dos espiões. "Ameaças perigosas geralmente vêm de pessoas perigosas em lugares perigosos", disse Sir John. "Nós temos de lidar com o mundo tal como ele é."
No verão de 2006, um plano para explodir vários aviões sobre o Atlântico usando líquidos contrabandeados foi frustrado na Grã-Bretanha. Em dezembro de 2009, Umar Farouk Abdulmutallab falhou ao detonar os explosivos que levava na cueca num voo de Amsterdã para Detroit. No verão de 2007, no centro de Londres, e em 2010, na Times Square, em Nova York, carros-bombas deixados em áreas repletas de turistas foram detectados sem causar danos.
O preço dessas ações foi cansativo, mas modesto em comparação ao caos provocado por terroristas que poderiam ter sorte uma única vez. Os alvos potenciais – eu e você – sofrem as conseqüências e são submetidos a novas medidas de segurança em aeroportos, por exemplo. Os viajantes têm de abandonar garrafas no check-in, tirar sapatos e cintos diante de máquinas de raios-X.
Depois da descoberta da conspiração dos pacotes-bomba dentro de cartuchos de impressoras - uma nova frente na guerra entre terroristas e agências de segurança – tais medidas irão crescer, com restrições aos serviços globais de carga e correio.
Se por um lado, os alvos em potencial valorizam a boa sorte, por outro também fazem novas exigências a quem, como Sir John, se lança como seus protetores. ??? exigindo uma abertura que, se não for concedida, poderá ser extraída por delatores como o site WikiLeaks, que publicou coleções de material confidencial das guerras do Afeganistão e Iraque.
Na Grã-Bretanha, o dilema vem ocorre desde 1994. Até então, as agências secretas não tinham existência formal ou legal que exigisse responsabilidade. Mas uma nova lei ampliou a fiscalização ainda secreta aos espiões. "Esse passo", disse Jeffrey, "foi como a ponta fina de uma cunha muito grande".
O desejo de abertura cresceu assim como a preocupação dos americanos a partir dos atentados de 11 de Setembro, em 2001. Em 2002, o MI6 se envolveu no chamado caso do "dossiê desonesto", quando erros da inteligência foram usados para aumentar o temor popular e justificar a participação na invasão do Iraque.
Mais recentemente, os processos judiciais derrubaram as tentativas britânicas de proteger as informações secretas da inteligência. Um caso notável diz respeito ao tratamento a um etíope, antigo residente britânico, Binyam Mohamed, ex-detento em Guantánamo que alegou ter sido torturado – uma prática que sir John, o chefe do MI6, classificou como "ilegal e abominável sob qualquer circunstância".
No dia seguinte ao seu discurso, a trama dos cartuchos de impressora foi frustrada provavelmente graças a uma dica da inteligência saudita aos Estados Unidos. As bombas foram encontradas. Nós nos regozijamos. Tivemos sorte – de novo – sem saber a procedência exata da informação que nos protegeu.
Em seu discurso, Sir John também fez um apelo inusitado: "Queremos aproveitar a confiança pública". Em outras palavras: confie em nós. Mas a confiança – tal como a sorte – nunca é simplesmente concedida. Ela deve ser conquistada.
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