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domingo, 25 de março de 2012

Quem são e o que fazem os brasileiros escolhidos como cônsules honorários




Quem são e o que fazem os brasileiros escolhidos como cônsules honorários

Eles atuam em países que às vezes nem conhecem, como Togo, Sri Lanka e Malta

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 O empresário Oskar Metsavaht, consul honorário da Estônia, de onde veio sua família Foto: Mônica Imbuzeiro / O Globo

O empresário Oskar Metsavaht, consul honorário da Estônia, de onde veio sua famíliaMÔNICA IMBUZEIRO / O GLOBO


RIO - Sohaku Raimundo Cesar Bastos, apesar do primeiro nome, nasceu no Brasil. Ele é formado em medicina oriental. Ele é formado em contabilidade. Ele é professor de acupuntura. Ele é diretor da Associação Brasileira de Educação. Ele é ex-colunista do "Jornal dos Sports". Ele é monge budista. Ele é faixa preta em karatê. Ele é, sobretudo, cônsul-geral honorário do Sri Lanka no Rio de Janeiro. A história de como chegou ao posto diplomático beira o insólito. Remonta à adolescência, no Rio, período em que Bastos remediava as lesões, no karatê, à base de acupuntura. Interessou-se.

Aos 23 anos, rumou ao Japão, para estudar sobre o assunto na Escola Imperial de Medicina Oriental. Fez formação, mestrado, morou num templo budista e, tempos depois, mudou-se para o Sri Lanka, onde se doutorou na área. Lá, caiu nas graças de um professor de acupuntura, Vimal de Alwes, conhecido por espetar agulhas medicinais na alta roda do poder cingalês.

—- Ele gostou de mim porque eu era budista, como ele, e passou a me apresentar a alguns clientes. Tratei o irmão da presidenta, o ministro das Medicinas Nativas, o das Relações Exteriores, o embaixador da Rússia — lembra.

Assim o fez entre 1988 e 1994, tempo que permaneceu no Sri Lanka. Sete anos mais tarde, quando o governo cingalês precisou abrir um consulado no Brasil, surgiu a pergunta: a quem recorrer? Ao rapaz que deixava seminova as costas do ministro das Relações Exteriores. Bastos virou cônsul honorário.

Um cônsul pode pertencer a dois grupos: de carreira ou honorário. Cônsul de carreira é aquele que cursou Diplomacia, viveu em vários países e galgou postos até chegar à insígnia consular, pela qual é remunerado. Nasceu no país que representa. Estados Unidos, França e Portugal têm cônsules de carreira no Rio.

Forrest Gump da diplomacia, cônsul honorário é o homem certo no lugar certo na hora certa. Ele não viveu em vários países, não galgou postos e, muitas vezes, nem sequer esteve na nação que irá representar. O convite costuma surgir ao acaso. Daniel Sauer, dono da joalheria Amsterdam Sauer, tornou-se cônsul honorário da Tailândia depois que a princesa da nação asiática gastou rios de dinheiro em sua loja. O empresário Cesar Augusto Maia passou a $o Benin quando intermediou um acordo entre a seleção africana — que queria aprimorar o futebol — e a equipe do Botafogo.

— Eles treinaram durante dois meses em General Severiano — lembra.

A classe ficou conhecida de forma folclórica, no ano passado, quando um homem se passou por cônsul honorário do Congo para ajudar o traficante Nem, cercado pela polícia, a fugir da Rocinha. Acabou preso; o Congo não tem representação na cidade. De acordo com um levantamento de 2008 da Aconbras (Associação dos Cônsules no Brasil), há 20 consulados honorários no Rio. No exterior, de acordo com o Itamaraty, o Brasil tem 191 representantes do gênero.

Um cônsul honorário no Brasil surge quando da seguinte situação: um governo estrangeiro tem interesse em ser representado por aqui, mas carece de verba para tanto (consulados de carreira demandam equipe, aluguel, regalias). A solução é nomear um residente local — geralmente com bom trânsito empresarial e político. O cargo é vitalício. Cônsul honorário não tem privilégio ou passaporte diplomático. Cônsul honorário não ganha honorários.

Nascido na Hungria mas radicado no Brasil desde os 10 anos, o cônsul honorário da Hungria no Rio, Anton Hajdú, de 78 anos, resume:

— Sou um voluntário que interessa aos dois países. Tenho pequenas despesas, mas estou de acordo com elas. O que fiz foi um sacrifício patriótico.

E por que aceitar?

— Porque é uma honraria. Você defende os interesses de um país nos campos intelectual, cultural e comercial — diz o jurista aposentado Delio Mattos, de 84 anos, cônsul honorário de Malta há mais de três décadas.

Advogado na área cível, Mattos foi convidado ao cargo sem nunca antes ter estado em Malta, uma ilha no Mar Mediterrâneo habitada por 400 mil pessoas. O convite chegou por intermédio de um amigo, diplomata, que tinha ascendência maltesa.

— Ele morou em Paris, onde acabou conhecendo o antigo primeiro-ministro de Malta, Dom Mintoff, que estava interessado em ter uma representação no Brasil — lembra.

Por insistência do amigo — que, por ser diplomata, não poderia ocupar o cargo —, Mattos aceitou a honraria. Como todo cônsul honorário, precisou que o Itamaraty a aprovasse, após confirmação de que não exercia qualquer cargo público e não era fichado na polícia.

Passou a visitar a ilha com certa frequência. Todas as viagens foram pagas do próprio bolso:

— Levei um representante da Petrobras para tentar estabelecer uma parceria na exploração de petróleo. Tentei fazer de Malta um centro de distribuição do café brasileiro na Europa e, na última visita, $anos atrás, tentei estabelecer um voo direto da Air Malta para o Brasil.

As investidas não renderam frutos. Ultimamente, Mattos está às voltas com o caso de uma mulher, maltesa, detida no presídio feminino Talavera Bruce, no Rio, por tráfico internacional de drogas.

— Dou uma assistência pessoal, levo agasalho, cigarro. Estou para visitá-la — diz, de seu apartamento, em Copacabana, que faz as vezes de consulado.

Como o princípio básico é o custo zero, as representações costumam ficar nas casas ou escritórios dos próprios cônsules. O consulado honorário da Guatemala, por exemplo, está instalado na sede da H.Stern, em Ipanema (a consulesa, Ruth Stern, é dona do império de joias). O da Eslováquia fica no segundo piso de uma loja de perfumes no shopping Fashion Mall, em São Conrado. E — ironia do destino — o do Haiti é na sede do Banco Safra, no Centro. O cônsul, Carlos Alberto Vieira, é presidente do conselho do banco.

O consulado chefiado por Marie Christine Hewet, de 55 anos, dista cinco metros de sua sala de jantar, num apartamento de frente para o mar, em Copacabana. Trata-se de um escritório normal, com fotos de família, que só destoa do clima caseiro por dois detalhes: a bandeira, na entrada, e o retrato, ao fundo, de Henri Albert Gabriel Félix Marie Guillaume, o grão-duque de Luxemburgo.

Marie tornou-se consulesa honorária do país em 1998, quando seu pai, então ocupante do posto, adoeceu.

— Ele era luxemburguense. Veio ao Brasil para trabalhar na Siderúrgica Belgo-Mineira e acabou virando cônsul honorário. Ficou por 14 anos no cargo. Eu estou há outros 14. É uma dinastia — brinca.

Ela visita Luxemburgo uma vez ao ano, para rever a família. Tem na ponta da língua $ções sobre o diminuto país, que mede 60 quilômetros de Leste a Oeste (menos que duas vezes a distância entre o Leme e o Pontal):

— Somos 500 mil habitantes, falamos três línguas, temos a maior renda per capita do mundo, de US$ 122 mil.

No dia a dia, os 35 luxemburgueses radicados no Rio não costumam incomodar. O grosso do trabalho é ocupado por pedidos de cidadania europeia — feitos por brasileiros — que ela remete ao ministério da Justiça de Luxemburgo. No ano passado, foram cinco.

Do outro lado da balança da desigualdade social, João Edvar Gomes dos Santos, de 58 anos, não precisa se preocupar com pedidos de cidadania. É pouco provável que brasileiros reivindiquem naturalidade do Togo, nação africana que, em 2011, ocupava a posição de número 172 na lista decrescente de renda per capita estimada pelo FMI. A lista tem 184 países.

Dono de uma agência de turismo especializada em destinos africanos, Santos virou cônsul honorário em 1997, após levar um grupo de 40 empresários ao Togo:

— Na viagem, encontramos o presidente Gnassingbé Eyadéma. Ele estava fechando a embaixada no Brasil e precisava de algum representante.

O agente de turismo virou cônsul-geral honorário — cargo que o deixa responsável pelos assuntos togoleses não apenas no Rio, mas em todo o território nacional. Ganhou uma bandeira e um retrato do presidente, além do passaporte diplomático, que lhe dá imunidade quando está a serviço do governo do Togo (é um dos raros cônsules honorários a dispor de tal privilégio).

Santos visita o país três vezes ao ano, para audiências com empresários, ministros e parlamentares.

— Agora estamos vendendo algodão para o mercado brasileiro — diz.

Se for de qualidade, o algodão do cônsul togolês pode até servir de base para as roupas desenhadas pelo da Estônia, Oskar Metsavaht.

Fundador da grife Osklen, Metsavaht se viu alçado ao posto diplomático em 2008. O ministro estoniano das Relações Exteriores e 50 membros da comunidade compareceram à nomeação, na sede da Osklen, em São Cristóvão, onde foi instalado o consulado.

— Tocaram uma gravação do hino da Estônia, hastearam a bandeira. O ministro disse alguma coisa em estoniano, que não entendi. Já eu falei em inglês, sobre os meus laços com o país — lembra Metsavaht, que é neto de estonianos.

Ele acredita que o convite foi natural:

— Gosto de macropolítica, tenho habilidade diplomática, possuo uma cultura geral satisfatória. Além disso, o que os ministérios das Relações Exteriores querem?

O próprio responde:

— Pessoas influentes.

O cônsul honorário da Nicarágua, Washington Luiz Pinto Machado, de 60 anos, também atribui o convite diplomático à sua influência local:

— Sou sócio da Machado Nunes Advogados Associados. Dizem por aí que sou o melhor advogado militar no Brasil — jacta-se, imodesto.

Presidente do Sindicato dos Jornalistas Liberais do Rio de Janeiro — e membro da ala dos compositores da União da Ilha —, Machado se aproximou da Nicarágua em 1988, quando trabalhou na versão brasileira do jornal "Barricada". O periódico, editado pela Frente Sandinista de Libertação Nacional, era o porta-voz do partido socialista nicaraguense.

— Trabalhei lá durante três anos, depois comecei a advogar para o governo da Nicarágua. Quando o Comandante Ortega chegou à presidência, em 2007, me nomeou cônsul honorário — conta, tomando café numa xícara com o escudo do Madureira.

Ex-flamenguista, Machado mudou de time assim que Kléber Leite assumiu a presidência do rubro-negro, em 1995.

— Não aguentei mais aquilo. Tentei ser São Cristóvão, mas o time não machucou meu coração. Aí optei pelo Madureira, e fui muito feliz na minha escolha — afirma.

Quando está no Rio, assiste aos jogos do time no estádio ("Sou da Dragões"). Mas tem estado cada vez menos:

— Vou à Nicarágua de 15 em 15 dias. Tenho seis empresas entrando em licitação por lá. O país é o Brasil dos anos 1960, tudo está começando a acontecer — diz, exultante.

Seus investimentos no país são plurais:

— Compro madeira e vendo para a Austrália. Compro carne e vendo para o Irã. Compro plástico e vendo para a China. Não tem conflito de interesse. Pelo contrário. Ajudo qualquer empresa brasileira que quer abrir um negócio na Nicarágua.

Como o cônsul honorário muitas vezes representa um país com baixo quórum populacional no Brasil, a atribuição passa a ser, majoritariamente, comercial. Os do Paquistão, de Moçambique e do Benin são membros da Associação Comercial do Rio de Janeiro.

Empresário especializado em comércio com a China, Marco Polo Moreira Leite, de 67 anos, virou cônsul honorário do Paquistão por causa do período que passou no país, nos anos 1990, comprando bolas de futebol:

— Viajei a serviço de uma cadeia de supermercados, que queria 1,5 milhão de bolas. O Paquistão é o maior produtor no mundo. Adidas, Penalty e Puma estão lá.

Desde que virou cônsul, Moreira Leite intermediou negócios com o Brasil nas áreas médica e militar. Há alguns meses, recebeu o adido militar do Paquistão, interessado em comprar armas não-letais.

Cesar Augusto Maia, de 44 anos, cônsul honorário do Benin, teve participação bastante efetiva: no ano passado, ajudou a Petrobras a comprar 50% do bloco de petróleo do país africano.

— Também levamos empresas de ônibus para investir em transporte público por lá — aponta.

Maia se dedica ao consulado, desde 2007 na Associação Comercial do Rio, durante dois dias na semana (o Benin possui um segundo consulado honorário, em Salvador):

— Dou visto, reconheço casamento. Semana passada, recebi 20 estudantes que vieram fazer intercâmbio na UFRJ.

Ele admite que o cargo, não remunerado, traz benefícios:

— Me possibilita ter relações internacionais estreitas. Tenho amigos ministros em Benin, tenho acesso direto à presidência. Me sinto um beninense no Brasil.

Sentado sob o retrato do presidente Thomas Yayi Boni, este empresário carioca, de pele clara, representante de um país em que, de acordo com o próprio governo, 100% da população é negra, se declara:

— É o trabalho que mais me orgulha. Sou apenas um brasileiro em 200 milhões. Mas sou um dos dois cônsules honorários do Benin no país.




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