15.08.1963 – O Dia em que o Rei Fugiu
Por Geraldo "JASON" Lina
Nos anos 60, dois clubes disputavam a hegemonia do futebol paulista: Santos e Palmeiras. Aos demais, restava apenas buscar posições honrosas na tabela do campeonato paulista.
Como ilustração, na década de 60 o Santos levou 8 paulistinhas e a porcada ficou com 2.
Nossa fase não era boa, o último título paulista havia sido em 1957, era o sexto ano de um hiato que duraria até 1970, seriam 13 anos sem títulos.
Há quem diga, como eu, que isso se deu devido ao fato do São Paulo investir a maior parte do seu dinheiro na construção do Morumbi, sobrando pouco para formar times competitivos. Outros rejeitam esta tese dizendo que o São Paulo nunca teve times ruins.
Essa linha também deve ser respeitada, afinal um time ruim não enfiaria 4×1 no auge do Santos de Pelé e cia.
Era o campeonato paulista de 1963, Santos e Palmeiras já abriam vantagem na tabela de classificação do torneio. O São Paulo fazia um campeonato morno, ocupando o meio da tabela. Mas chegou o dia de enfrentar o Santos.
Os santistas esperavam uma goleada, em 1963 o time da baixada já era tricampeão paulista, bicampeão da Taça Brasil, campeão do Torneio Rio-São Paulo, da Libertadores da América e do Mundial Interclubes.
Havia no clube do Morumbi, guardado na memória, a lembrança viva do último jogo entre os dois times. Pelo Rio-São Paulo, o Santos venceu o São Paulo por 6×2, a maior goleada imposta pelo rival em toda história do clássico.
O palco seria o mesmo, o Pacaembú em uma quinta-feira à tarde. Apesar da data e do horário desfavoráveis para um jogo desse nível, haveria 60 mil testemunhas para um capítulo glorioso da história Tricolor.
Começa o jogo.
Aos 5 minutos, Faustino recebe de Cecílio Martinez, penetra da direita para o meio, passa por dois zagueiros, se aproxima da entrada da área e chuta rasteiro, no canto de Gilmar, uma pintura: 1×0 São Paulo.
Aos 21, após cruzamento de Dorval, Pelé sobe mais alto que a zaga e empata de cabeça, 1×1.
O jogo fica equilibrado até os 37 minutos, quando Pagão inicia uma linda e envolvente tabela com Benê, que, livre diante do goleiro, toca para as redes, 2×1.
Três minutos depois, Sabino recebe passe de Martinez e finaliza, 3×1. Começa a confusão: é que o árbitro Armando Marques havia validado o gol do São Paulo mesmo com o bandeirinha tendo assinalado impedimento. Os santistas o cercam e protestam contra a validação do gol.
Até ai tudo bem. Só que Coutinho, não satisfeito em reclamar, provoca Armando, insinuando uma suposta homossexualidade do apitador ( satisfeito, florzinha ? , teria dito o inseparável consorte de Pelé ). É expulso de campo.
Em seguida, é a vez de Pelé, inconformado, desacatar o juiz com vários impropérios. O Rei também vai para o chuveiro mais cedo. O jogo fica paralisado por alguns minutos antes de Armando encerrar o primeiro tempo.
Com a vantagem de 3×1 no marcador, 11 contra 9 em campo e com mais 45 minutos de tempo pela frente, a chance de o São Paulo aplicar uma estrondosa goleada no Santos era enorme. Não uma sova qualquer, de 5 ou 6, mas um massacre de 8 ou 9, que poderia virar manchete no mundo todo, justamente no momento em que o Peixe começava a se destacar internacionalmente.
Seria um escândalo !
No intervalo, nas arquibancadas e sociais do Pacaembu, o comentário geral era de que o Santos não voltaria para o segundo tempo, com receio do vexame que certamente viria.
Ainda no entreato, o médico do Santos, Nélson Consentino, confidenciou ao nosso treinador, Osvaldo Brandão, que o jogo não iria acabar porque o Santos melaria a partida. Apreensão entre os torcedores: o Santos retornaria a campo ou não ? Sim, eles voltaram, porém com oito e não nove jogadores, pois o lateral Aparecido, que tinha estreado naquela noite, misteriosamente contundiu-se no vestiário (?!), e naquela época não eram permitidas substituições.
O jogo recomeçou, mas a farsa já estava montada.
Aos três minutos, Pepe, depois de uma trivial trombada com Bellini, se joga ao chão, mortalmente ferido. A fuga ia se caracterizando.
Aos 7, Dias domina uma bola pela direita, vê Pagão correndo pelo meio e dá um magistral lançamento; Pagão recebe e aponta contra as redes, 4×1.
Agora não tinha jeito, era o indecente cai-cai ou a derrota estratosférica ! Na saída, Dorval vai ao solo após dar um chute e não mais levanta. Com seis jogadores em campo, a partida não poderia prosseguir, pois o Santos não tinha o número mínimo de jogadores em campo ( sete ). Os jogadores sãopaulinos até que tentaram convencer os santistas a parar com o cai-cai e voltar para o campo, mas não houve jeito. Eles não queriam saber e optaram pela fácil e humilhante solução de fugir.
O juiz encerrou o jogo aos 11 minutos do segundo tempo.
O Santos foi bem sucedido no seu intento, não levaram a estrepiante surra que tanto temiam. Escolheram pela perda de dignidade, e isso custou caro: quatro dias depois, Pelé, pela primeira e única vez na sua carreira, anunciou, abatido, que estava pensando seriamente em deixar o País, e que qualquer proposta do exterior seria avaliada.
Os santistas ficaram tão abalados com a derrota que terminaram o Paulistão na modesta terceira colocação, oito pontos atrás do seu algoz tricolor.
Mais importante que o vice-campeonato, só o fato de o sãopaulino dizer até hoje, com orgulho, que um dia, o todo-poderoso time do "Rei do Futebol", fugiu de campo com medo do São Paulo.
***
Jogo 1435
São Paulo 4×1 Santos
Campeonato Paulista – 15 de agosto de 1963
Estádio: Estádio do Pacaembú ( São Paulo )
Renda: CR$ 19.950.000,00
Público: 60.000 pagantes ( estimado )
Juiz: Armando Marques
Expulsões: Pelé e Coutinho
São Paulo: Suly; Deleu, Bellini e Ilzo;Dias e Jurandir; Faustino, Martinez, Pagão, Benê e Sabino. Técnico: Osvaldo Brandão
Santos: Gilmar; Aparecido, Mauro e Geraldino; Zito e Dalmo; Dorval, Lima, Coutinho, Pelé e Pepe. Técnico: Luis Alonso Perez (Lula)
Gols: Faustino 5', Pelé 20', Benê 37' e Sabino 40', primeiro tempo. Pagão 7', segundo tempo.
Fontes
São Paulo: Dentre os Grandes és o Primeiro – Conrado Giacomini e
Almanaque do São Paulo – Alexandre da Costa – Editora Abril
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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012
15.08.1963 – O Dia em que o Rei Fugiu
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