Don Darío Pereyra
Ah, meus iguais, hoje eu não quero fazer introdução, vou logo ao ponto. Há temas aos quais se vai diretamente, estou ansioso por falar desse personagem. Vou falar de craque, de fora de série, vou falar de um jogador que passou para história em vida, falarei de um gênio que a bola consagrou.
Alfonso Darío Pereyra Bueno nasceu em Sauce, no Uruguai, aos 19/10/56. Do signo de libra, Don Darío herdou de seu astro regente a influência da busca da perfeição. Libra é representada no zodíaco por uma balança. A balança é o signo da impecabilidade, do equilíbrio, da absoluta equidade; quem nasce sob os influxos da libra quer ser perfeito. O menino Darío, lá em Sauce, com seu jeito introvertido, desde cedo manifestou sua pendência pelo jogo da bola. Ele queria ser atleta profissional da modalidade, queria porque queria ser astro do Esporte das Multidões, os pais ficaram atônitos, protestaram, queriam vê-lo médico, advogado, engenheiro, mas Darío era uma criança decidida, a bola o deslumbrava e ele deslumbrava a bola. Tudo começou como sempre (a história se repete há mais de uma centena de anos) quando o menino se apaixonou pela bola e ela por ele, não tinha jeito, era o casamento. Casamento? Casamento nada, era mais do que casamento, era deslumbramento mútuo! Darío, como mamãe o chamava, foi logo mostrando a sua arte e na escola, nos campinhos de Sauce só dava ele. Darío, menino, parecia um veterano. Seu jeito de recepcionar o balão, sua forma de conduzir o esférico eram singulares. Gostaram de "balão", de "esférico", iguais? Em outros tempos era assim que dona bola era chamada! Controle, tranqüilidade, classe, aguerrimento, genialidade, eis alguns dos adjetivos que definiam Darío à época. Os amigos, os professores e as testemunhas do desempenho futebolístico de Darío eram unânimes: aquele menino ia ser aplaudido no mundo inteiro, era craque! Ainda em tenra idade, alertado pelo clamor geral que acaba surgindo quando aparece um "ifrit" da bola em qualquer lugar do globo terrestre, um olheiro do Nacional de Montevidéu ficou embevecido quando foi ver Darío se exibir. Imediatamente o levou para fazer um teste naquela tradicionalíssima equipe do futebol mundial e Darío, aprovado com grande estarrecimento e com ímpar júbilo pelos entendidos, logo foi integrado aos quadros do Nacional; começou nos infantis e foi galgando, como um foguete, todos os degraus no clube, até passar a ser titular absoluto do profissional, mesmo sendo apenas um garoto.
Darío assombrou o mundo, com 17, 18 anos, ele era titular e capitão do Nacional e da Seleção Uruguaia. Darío era meia armador. Rápido, driblador, objetivo, guerreiro e decidido, Darío transformou-se, na segunda metade dos anos 70, na maior promessa do futebol uruguaio, que vivia à míngua, depois de recentes tempos de ouro, nos quais cintilava o brilho ofuscante da arte de Pedro Virgílio Rocha e de Pablo Forlán. O São Paulo FC, maior da América, passava por uma transformação. Bicampeão em 70/71 sob o império de Gérson, o "canhotinha de ouro" depois que Gérson se foi era preciso reformular. Campeão de 75 com um time reinventado, em 76 o tricolor fracassara, precisávamos de alma nova. Ouvi falar o ano inteiro, em 1976, que o São Paulo iria contratar Darío Pereyra, o astro e líder uruguaio. Havia, no entanto, uma lei que proibia a saída de atletas do país vizinho com menos de 21 anos. Darío, o craque, tinha apenas 20 anos, não podia vir jogar no Brasil. Cada jogo do Nacional e da seleção uruguaia, a "Celeste Olímpica", era acompanhado com devoção pela torcida tricolor. Como jogaria Darío? E ele daria alguma declaração confirmando que viria para o São Paulo FC? Tudo era mistério, tudo estava muito mal explicado. Então, tendo completado a maioridade civil, tendo feito 21 anos, Darío Pereyra foi anunciado oficialmente como jogador do Bem Amado.
A torcida vibrou, o caudilho ia chegar, chegou, o aeroporto de Congonhas foi invadido por são-paulinos, carregaram o cabeludo Darío nas costas, champagnes foram abertos, Darío era o novo Pedro Rocha! O menino foi morar em um hotel. Assustado com a capital paulista, teve um primeiro momento de indecisão. Lembro-me bem, iguais, Darío foi posto em campo com a camisa 10, eu estava lá, fui vê-lo, esperava que fosse um Pelé, a torcida esperava que ele fosse um jogador que não tivesse defeitos. Ele tinha um jeito diferente, eu percebi. Chamava a atenção a sua cabeça erguida, era um garoto elegante, cheio de personalidade. Mas não era o Pelé e a responsabilidade que puseram sobre os seus ombros o deixou tímido. Darío custou a exibir tudo o que sabia. São Paulo, a grande metrópole, o aterrorizou, a distância da pátria, da família, dos amigos, a ansiedade, a fama precoce, tudo contribuiu, ele era uma criança, a adaptação não foi fácil. O São Paulo foi Campeão Brasileiro em 1.977. Darío era o meia titular do time mas ainda não era o Darío que esperávamos. Entrava e saía, fazia boas e más partidas, se contundia com freqüência, não falava bem o português, houve um momento em que se duvidou daquela aposta no gênio Darío Pereyra que estava quase a se tornar motivo de gracinhas por parte dos inimigos. O São Paulo ia mal. 1978/79 foram horríveis, Darío vivia no banco ou machucado e chegou 1980.
O mundo são-paulino recebia boas e alvissareiras novas, tudo iria mudar à partir de 1980 e então, teimoso, fui assistir, ao primeiro "Majestoso" daquele ano, válido pelo Campeonato Paulista. O Tricolor estava se remodelando, queria voltar a ser forte. O presidente Antonio Nunes Leme Galvão, o classudo, prometera publicamente que iria formar um elenco para a história. Cercou-se de grandes e laboriosos dirigentes, cercou-se de pessoas que queriam reviver as glórias do clube, foi assim que tudo deu certo. Assim tudo dá certo. Sem um quarto-zagueiro que lembrasse Roberto Dias, a diretoria saiu atrás de um e enquanto ele não chegava Carlos Alberto Silva, nosso técnico, em desespero, no meio de um clássico que estava empatado em 0 x 0, apostou em Darío Pereira para substituir Gassem, o titular, que se havia contundido. Ele, Dario Pereyra, que nas partidas anteriores estivera no banco de reservas, foi chamado para entrar como quarto-zagueiro, num São Paulo x Corinthians no Morumbi, o povo estremeceu, (um meia na zaga?) o menino entrou e parecia que jogava ali havia anos!
Darío gostou, e como gostou, de jogar ali. O público que viu aquele "Majestoso", ganho pelo Dearest pelo placar mínimo com antológico gol de Serginho, jamais se esquecerá da data de 13/07/80. Anotem, iguais, poucos sabem disso, a data é para anotar, foi dali em diante que Darío Pereira começou a dar show. Eu estava no Morumbi, vi e guardei, na retina e no coração. Darío nascera para jogar como zagueiro, como zagueiro Darío Pereyra se encontrou, eu mesmo, como muitos, passei a ir ao Morumbi apenas para vê-lo brilhar, brilhar e rebrilhar, intensamente. Parecia que Darío, depois daquele jogo, havia saído de um pesadelo, parecia que o gigante acordara depois de longo período em estado de letargia. Darío cresceu, equilibrou-se, virou veterano! Então tudo mudou. Efetivado na zaga, acabaram-se as contusões, aquele menino começou a falar melhor o português, Darío reconquistou a bola, a bola se rendeu outra vez a ele, os amantes se reconciliaram, foram anos de amor com a pelota, com a torcida, com a imprensa, com a vida! Darío Pereyra tornou-se a referência da defesa e do time do São Paulo. Como jogaria o São Paulo FC? Ora, com Darío e mais dez! Aquele time de 1980 era bom, realmente era muito bom.
O São Paulo contratou uma porção de craques desejados pelos inimigos, o ataque era fulminante com Paulo Cesar, Renato, Serginho e Zé Sérgio, o meio campo era estável com Almir e Heriberto, os lados do campo defensivo eram ótimos com Getúlio, da seleção brasileira, e Aírton, um garoto que viera da base, faltava alguém para acompanhar a enormidade do futebol que Darío passou a jogar no miolo da zaga. Sim, porque Darío entrara em êxtase desde que vestira a camisa 4, que fora de Roberto Dias. O São Paulo ganhou o título paulista de 1980 e Darío foi considerado o melhor jogador do campeonato, atuando na quarta-zaga. Mas o melhor estava por vir. Nem bem terminado o "Paulistão", como era chamado o maior certame estadual de clubes do país, eis que o Mais Querido, ainda caindo de glórias pelo título conquistado, em lance de cinema, trouxe Oscar, o zagueiro da seleção brasileira, para atuar ao lado de Darío Pereyra! Ah, meus iguais, a casa caiu. Caiu para os rivais! Ao lado de Oscar, Darío Pereyra cresceu ainda mais, cresceu muito, cresceu demais, virou de fato um novo Roberto Dias! Vou explicar a vocês, eu vi tudo, vou contar: jogando como zagueiro, durante um jogo qualquer, parecia que Darío Pereyra ora estava em campo de terno e gravata, tendo em vista a sua elegância, a sua postura, os seus modos sutis ao roubar a bola dos atacantes adversários e ora parecia que, no mesmo jogo, Darío tirava o terno, desvencilhava-se da gravata e se engalanava com vestes guerreiras, marcava duro, dava carrinhos, dava bicos para a lateral, incendiava o time, parecia um sanguinário, um guerrilheiro tosco em batalha!
Darío Pereyra formou com Oscar uma das maiores duplas defensivas da história do futebol, em todos os tempos. Já usei essa expressão alhures, gosto dela, vou usá-la de novo, peço licença a vocês: Darío e Oscar tinham uma sintonia tal que juntos eram como dois olhos cujas pálpebras se abrem e fecham ao mesmo tempo, já viram melhor sintonia do que a do par dos olhos que se abrem e que se fecham ao mesmo tempo? Pois era assim essa dupla de zagueiros. Além de defenderem com precisão absoluta, Darío e Oscar iam à frente, ora um, ora outro, ambos faziam gols de cabeça e Darío, meia de origem, atuando como quarto-zagueiro não raro fazia gols com estilingadas de fora da área pois tinha um chute calibrado e preciso! Foram anos de intenso gozo, os são-paulinos se multiplicavam. A são-paulinidade exalava pelos quatros cantos da cidade, o São Paulo ganhou admiradores em todo o país.
Em 1981 veio o bi paulista. Para tornar a máquina impecável chegaram Marinho Chagas, o maior lateral esquerdo de todos os tempos e Mário Sérgio, um dos maiores craques que vi jogar. Não tinha para ninguém. Antes dos jogos só uma dúvida: de quanto o São Paulo iria ganhar? As duplas, quando assombram, são eternas: o Gordo e o Magro, Roberto e Erasmo, Chitãozinho e Xororó, Vinicius e Toquinho, Jair Amorim e Evaldo Gouveia, quantas duplas já vimos? Batman e Robin, Pelé e Coutinho, Oscar e Darío Pereyra! Darío Pereyra formou, ao lado de Oscar, uma das maiores duplas de zaga, da história do futebol. Como jogaram esses dois juntos, meu Deus! Já falei de Oscar, aqui falo de Darío Pereyra. Darío era preciso e precioso, ora se antecipava aos atacantes e sem relar neles saía com a bola, cabeça erguida, indo à frente armar o jogo e ora dividia com os atacantes que marcava e não perdia deles, quase nunca perdia, era covardia! Darío era perfeito, pelo alto e com a bola no chão. O tempo foi passando, o craque se estabilizou, Darío era espetacular em todos os jogos, sua categoria impressionou durante longos anos, virou rotina e a coletividade são-paulina passou a chamá-lo de "Don Darío Pereyra".
Os adversários admitiram, a imprensa adorou, o zagueiro tricolor era o maior, só ele, dentre todos os craques badalados era "Don", Don Darío Pereyra. Vi, com a emoção que o coração registrou para sempre, Don Darío Pereyra fazer jogadas maravilhosas, na área defensiva e no ataque. Darío fez gols contra todos os inimigos. Uma vez, contra o Palmeiras, ganhou um jogo praticamente sozinho. Defendeu com classe, zelo e abnegação, foi o dono da área, driblou, foi à frente e no fim, de cabeça, estufou a rede do adversário. Ao final da partida eu, maravilhado, estava numa banca daquelas que se estabeleciam nas imediações do Morumbi, sorvendo cervejas ao lado de outros fanáticos. O mundo era outro, nada de brigas. Um palmeirense, atento ao meu discurso inflamado aproximou-se e sentenciou humildemente: "O Palmeiras jogou melhor o que fazer? Vocês têm Don Darío Pereyra e quem tem Don Darío Pereyra não perde!"
Verdade, iguais, com Don Darío Pereyra era meio caminho andado para ganhar, Darío foi genial, um zagueiro simplesmente espetacular. Eu o comparo a Roberto Dias, vi os dois, não me arrisco a dizer quem foi melhor, ambos são deuses da história do São Paulo FC. Don Darío nunca mais deixou São Paulo, a capital que o assustou num primeiro momento e que depois deu-lhe todas as glórias. Todos sabem, Don Darío é são-paulino de coração, é um torcedor do São Paulo FC, assim como Pedro Rocha, Pablo Forlán e Lugano, outros uruguaios que vieram acrescentar glórias às nossas glórias. Don Darío Pereyra é um pedaço da história tricolor, determinou a muitos e muitos corações que optassem pela vestimenta honorífica das três mais lindas cores que existem. Don Darío Pereyra é um monstro sagrado, um semi-deus do Dearest.
Ave, Don Darío Pereyra, receba as bênçãos do Poderoso e tenha vida de marajá!
Paz, meus iguais.
Dr Catta-Preta é advogado e são-paulino.
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Blog do Marcello Lima, Kigol
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